Fantasia Film Festival 2025: começando a cobertura e já tem filme que pode ser visto no Brasil
Festival traz thriller francês, drama criminal coreano, comédia de terror americana e horror sobrenatural espanhol
Começa aqui minha cobertura do Fantasia Film Festival 2025, o maior festival de cinema fantástico da América que dita as principais novidades que deverão chegar no campo do terror, da fantasia e da ficção-científica nos próximo meses. Dois dos quatro títulos que foram exibidos nos primeiros dias do evento e sobre os quais escrevo aqui já estão disponíveis no Brasil. Um acaba de chegar aos cinemas e o outro já pode ser visto em streaming. Além desses filmes, eu também já escrevi sobre o filme de abertura do festival, Eddington, de Ari Aster, que assisti durante Cannes. Link para o texto no título do filme.
Voltamos a qualquer momento.
#1) O Brilho do Diamante Secreto
(Reflet dans un Diamant Mort, 2025), de Hélène Cattet e Bruno Forzani
EM CARTAZ NOS CINEMAS
Poucos filmes este ano trarão frames mais bonitos do que O Brilho do Diamante Secreto, recém-exibido no Fantasia Film Festival e que estreia hoje nos cinemas brasileiros. Parceiros atrás — e além — das câmeras, os franceses Hélène Cattet e Bruno Forzani construíram toda uma carreira com base no poder das imagens que conseguem criar, geralmente inspiradas por sua paixão pelo cinema de gênero italiano dos anos 1960 e 70. Desde o primeiro longa, Amer (2009), o casal combina elementos do poliziotteschi e dos gialli, unindo a crueza e o pessimismo do primeiro à elaboração estética dos segundos — um pastiche com certo nível de sofisticação.
Com o passar dos anos, o foco dos filmes da dupla foi gradualmente se afunilando nessa obsessão plástica. A construção visual ficou ainda mais meticulosa e, de suporte, virou praticamente o objetivo central do portfólio que vêm montando. Inversamente proporcional à capacidade de transformar referências em criações visualmente instigantes — e eles têm um acervo generoso para comprovar isso —, Cattet e Forzani foram reduzindo as tramas a meras justificativas para suas composições e experiências. A questão central em O Brilho do Diamante Secreto é que, além de uma narrativa insignificante, a história é, em si, confusa.
Além dos filmes policiais e de suspense italianos, soma-se desta vez ao conjunto de influências uma clara homenagem a Les Vampires, cinesseriado (ou filme em dez episódios) que Louis Feuillade dirigiu em 1915, com direito à sua própria Irma Vep — uma das primeiras vilãs do cinema de ação. Apesar disso, os novos elementos não tornam o resultado mais encorpado, pois aqui a trama não passa de uma sinopse que os diretores tentam "traduzir" numa narrativa essencialmente visual. E, provavelmente até mais do que em seus longas anteriores, este talvez seja o filme em que eles mais conseguem construir imagens poderosas — impressionantes, mesmo.
São centenas de planos lindíssimos, pensados nos mínimos detalhes: combinações de cores, filtros, enquadramentos, pans, travellings — não há sequer um frame que não venha carregado de estudo, arquitetado com refinamento, planejado com extremo cuidado para “criar” beleza. Essa opção até faria sentido dentro de um projeto de cinema de artifício, mas, ao esmagar essas composições plásticas nos cortes tiktóxicos de 87 frenéticos minutos, o filme termina parecendo um brinquedo. Um investimento imenso em construções que mal duram um segundo.
#2) Fragment
(2024), de Kim Sung-yoon
Em seu primeiro longa-metragem como diretor, Kim Sung-yoon recicla um dilema moral bastante comum dentro e fora da ficção: por que os filhos são cobrados pelos pecados de seus pais? Fragment, exibido no Fantasia Film Festival, retoma esse debate dentro de uma estrutura de thriller, mas com foco numa investigação intimista: busca entender as repercussões de um crime para um rapaz e um casal de irmãos, que vivem a poucos metros uns dos outros e estão em lados opostos de uma mesma tragédia.
A experiência como diretor-assistente de filmes como Kim Ji-young, Born 1982, que parece mais interessado em compreender seus personagens do que necessariamente em contar cada passo de suas histórias, ajudou o cineasta de primeira viagem. Embora seja um filme de sensibilidade aguçada, Fragment nos joga abruptamente nas cruéis novas rotinas de seus jovens protagonistas, que antes mesmo de pensar em reconstruir suas vidas precisam aprender a conviver com a ausência.
Uma escolha inteligente do roteiro é nunca querer reconstruir em flashbacks ou mesmo explicar em detalhes o crime que joga os garotos naquela situação. Não é um filme sobre motivos nem respostas. As informações chegam racionadas e incompletas, não permitindo que o filme se desvie de seu principal objetivo: observar as novas dinâmicas familiares a que os personagens ainda em formação são expostos enquanto eles entendem como podem lidar com a culpa e o luto.
Por causa dessa abordagem, Fragment é um filme que exige e depende muito de seu elenco, sobretudo do trio principal, que encarna seus personagens com uma maturidade notável. Apesar da performance da caçula da equipe, a pequena Kim Kyu-na, de apenas 11 anos, impressionar, a carga maior fica nos ombros do ator que faz seu irmão. Oh Ja-hun revela seus recursos dramáticos na delicadeza que encontrar para encarnar o personagem que, além de tudo, carrega o peso da responsabilidade.
As escolhas do diretor, no entanto, cobram seu preço. Como gasta bem mais tempo e energia no retrato psicológico daqueles jovens isoladamente do que na relação tumultuada entre eles e em seus passos seguintes, Kim Sung-yoon resolve o conflito de maneira simples e apressada, como se não tivesse mais disposição ou interesse em concluir melhor essa história. Mas talvez, num dilema como esse o que o diretor propõe seja mesmo complicado chegar a uma resposta.
#3) Hold the Fort
(2025), de William Bagley
Mudar para uma nova casa, em um novo bairro, com novos vizinhos pode ser uma experiência aterrorizante — mas em Hold the Fort, o diretor William Bagley ultrapassa todos os limites. As cenas iniciais do longa indicam que o que vem a seguir é uma comédia ácida, em que o casal protagonista terá que conviver — ou enfrentar — vizinhos esquisitos, ligados a algum tipo de sociedade secreta. E isso, de alguma forma, acaba se confirmando, mas de uma maneira bastante surpreendente.
Esse plot twist antecipado mostra que o filme utiliza o humor de forma bem mais inteligente que outras comédias de terror — que, muitas vezes, recorrem ao riso como distração para a falta de substância no aspecto fantástico ou como escudo para esconder limitações orçamentárias. Hold the Fort faz o contrário: encaixa suas gags em um universo que celebra a mitologia clássica do horror, ao mesmo tempo em que cria um espaço sólido para que nasça um "filme de sobrevivência".
Esse conceito remodela o que parecia ser a proposta inicial e revela o quanto o diretor é apaixonado não apenas pelo cinema de gênero, mas pela própria experiência de fazer um filme — o melhor que puder, dentro de suas restrições. Bagley realmente tem um projeto: cria personagens carismáticos, acessa e se permite brincar com uma coleção de figuras que habita o inconsciente coletivo. Tinha tudo para ser uma bagunça, mas, embora um tanto apressado, o filme tem unidade, coesão e, principalmente, intenção.
Isso não elimina o fato de que algumas soluções — e o desfecho — sejam excessivamente simples. Mas, como o próprio filme parece lidar com a fugacidade de forma irônica e tem orgulho de ser um filme B, tudo acaba se acomodando no campo da autorreferência. Não é difícil olhar para aquele grupo que se une para combater toda sorte de adversários sobrenaturais e enxergar, ali, um time que concentra todos os seus talentos para defender um projeto apaixonado.
#4) O Pranto do Mal
(El Llanto, 2024), de Pedro Martín Calero
DISPONÍVEL NO HBO MAX
A primeira vez que Ester Expósito surge em cena em O Pranto do Mal é o suficiente para que seu olhar nos hipnotize. O magnetismo de sua figura melancólica, que flutua entre o clássico e o contemporâneo, ajuda a estabelecer a atmosfera que o estreante Pedro Martín-Calero parece buscar em seu longa de estreia: um filme com os pés no chão, mas interessado em materializar o abstrato — uma espécie de mistério invisível que sugere uma presença sobrenatural.
Embora diga não ser exatamente um fã do cinema de gênero — e até faça disso um leve demérito, um escorregão desnecessário —, e ressalte que seu interesse pelas personagens vai além do formato, o diretor recorre a temas e tradições do horror clássico, do qual a Espanha é uma das principais guardiãs. Ele utiliza esse inventário de códigos e convenções para, sob uma abordagem mais aprofundada, tratar de questões urgentes, sem que o discurso se sobreponha à forma.
O ponto de partida, segundo o diretor, era uma imagem recorrente: uma mulher atacada por uma entidade invisível numa pista de dança — acompanhada da intuição de que o episódio não seria algo isolado. As ideias só tomaram forma com a chegada de Isabel Peña ao projeto. Parceira frequente de Rodrigo Sorogoyen, ela escreveu com ele o roteiro de As Bestas (2022), um filme que também se apropria de elementos do cinema de gênero para lançar reflexões contemporâneas.
No caso de O Pranto do Mal, uma sinopse superficial poderia dizer que o longa, na tradição do horror sobrenatural, trata de uma maldição que ronda três mulheres de tempos e lugares diferentes: uma força sinistra que elas sentem, mas não veem — e cujo motivo de estar ali elas não compreendem. Mas o que outros filmes trariam como clichê — o fato de que ninguém acredita nas protagonistas —, este longa ressignifica por meio de uma nova simbologia: a da invisibilidade.
Mesmo com a relutância de Martín-Calero em se colocar como cineasta de gênero, sua parceria com Peña encontra um caminho nobre, indo na contramão do chamado “pós-horror”. Ao reforçar o aspecto fantástico da narrativa para sugerir que esse mal que atravessa gerações tem raízes mais comuns e cotidianas do que se imagina, o filme acena sutilmente à ideia de sororidade, desafiando a norma de que as protagonistas estão — e estarão — sempre sozinhas.
O Fantasia Film Festival acontece em Montreal, no Canadá, até o dia 3 de agosto e o Filmes do Chico segue em cobertura até a reta final do evento.