Filmes do Chico: Seleção Oficial #4 - 30.06 a 06.06, 2025
Newsletter semanal com curadoria para cinema, streaming e festivais: No programa de hoje: clássicos queer, coming of age e sussurros na montanha
Salve, camaradas.
As estreias nos cinemas não me empolgaram muito, mas um filme bem interessante passa em tantas cidades brasileiras esta semana que resolvi destacá-lo fora da seção de festivais. Vermiglio é uma das atrações do 8½ Festa do Cinema Italiano, que traz uma seleção de vários filmes recentes, além de duas obras-primas do Fellini. Vale consultar a programação completa. Nos streamings, 6 indicações — de clássicos de Marco Bellocchio e Sara Gómez a bons títulos dos últimos anos, um controverso. Destaquei alguns filmes que eu adoro em festivais no Rio e em São Paulo. E, conflitos de interesse à parte (já que distribuo o filme no Brasil, achei que Sol de Inverno, que acaba de chegar ao VOD merecia ser indicado.
Bom filme pra vocês.
» CINEMA



#1) Vermiglio: A Noiva da Montanha
(Vermiglio, 2024), de Maura Delpero
Vencedor de 7 prêmios no David de Donatello, o “Oscar italiano”, Vermiglio pode até parecer banal, mas tem algo fascinante na estrutura criada por Maura Delpero que coloca o filme sob um novo ponto de vista. Boa parte dos eventos e das repercussões desses eventos da trama é relatada nas conversas sussurradas das crianças — e não só delas — do filme que representou a Itália na última corrida ao Oscar. É uma obra que retrata como fofocas, segredos e conversas sigilosas não apenas revelam, mas movimentam o funcionamento de uma pequena comunidade no interior do país no pós-guerra. Delpero olha para o retorno dos soldados para casa, a educação seletiva, os processos familiares e a maneira como estas famílias olham para os estrangeiros, os casamentos e as regras sociais como um todo por uma lente de aumento que reflete um cotidiano que mal acontece. Tudo é relatado através dos cochichos dos personagens — eles são o jornal e o tribunal da pequena Vermiglio.
Aracaju: Cine Walmir Almeida, quarta, 2 de julho, 19h
Brasília: Liberty Mall, quarta, 2 de julho, 20h45
Florianópolis: Paradigma Cine Arte, terça, 1 de julho, 20h50
Fortaleza: Cinema do Dragão, terça, 1 de julho, 14h
Goiânia: Cine Cultura Goiás, segunda, 30 de junho, 16h30
João Pessoa; Cine Bangüê, sábado, 5 de julho, 15h
Londrina: Espaço Villa Rica, quarta, 2 de julho, 21h15
Maceió: Cine Arte Pajuçara, terça, 1 de julho, 17h30
Niterói: Reserva Cultural, segunda, 30 de junho, 20h10
Porto Alegre: Cinemateca Paulo Amorim terça, 1 de julho, 16h30
Recife: Moviemax Rosa e Silva, segunda, 30 de junho, 20h45
Recife: Moviemax Rosa e Silva, quarta, 2 de julho, 20h40
Ribeirão Preto: Casa Belas Artes, segunda, 30 de junho, 19h
Salvador: Cine Glauber Rocha, quarta, 2 de julho, 19h30
São Paulo: Cinesystem Frei Caneca, terça, 1 de julho, 15h40
São Paulo: Cine Satyros Bijou, quinta, 3 de julho, 20h40
» STREAMING



#2) Belas Criaturas
(Berdreymi, 2022), de Guðmundur Arnar Guðmundsson
A fantasia é um expediente comum para contar histórias de abuso e bullying e a cena inicial de Belas Criaturas parece indicar que o filme sairia em busca de um lirismo forçado. Mas a maneira como Guðmundsson usa os elementos mágicos é uma bela surpresa: os pressentimentos e devaneios do protagonista não querem traduzir agressões ou curar dores. São elementos narrativos que adicionam impressões num coming of age bem consciente da dureza de certas realidades. O jovem quarteto encabeçado pelo ótimo Birgir Dagur Bjarkason valida cada aspecto dessa investigação, que revela um talento especial para mergulhar num universo masculino de brutalidade e, ao mesmo tempo, encontrar delicadeza para falar de amizade e conexão.
Disponível no Belas a la Carte
#3) Brightburn: Filho das Trevas
(Brightburn, 2019), de David Yarovesky
Enquanto o novo Superman não chega, um programa bem interessante é assistir a esse filme torto que toma para si os elementos que fundam e definem o maior dos herói e os subverte, transfigura e readequa para outro gênero e outra mitologia. Brightburn poderia ser melhor em quase tudo. Mesmo assim, é um dos filmes mais instigantes sobre o herói kryptoniano, mesmo talvez sendo apenas um pastiche oportunista. A ousadia (ou cara-de-pau) do projeto faz um 7 a 0 na versão do Zack Snyder, por exemplo. A meia hora final traz um punhado de imagens e momentos poderosíssimos que renovam o impacto de um roteiro que nem sempre sabe como se libertar do lugar comum.
Disponível na Netflix
#4) De Certa Maneira
(De Cierta Manera, 1975), de Sara Gómez
- Passei muito tempo só. Por isso, estou acostumada.
- A quê? A ser sozinha?
- A ser independente.
Sara Gomez olha para sua Cuba reverberando os ideais revolucionários, mas pelo inédito filtro “da mulher”. O país, suas tradições, suas religiões, seus costumes, seus homens. Nada escapa à análise clínica, mas nunca árida da diretora, em seu único longa. Ela aplica esse filtro tanto à porção documental, que tenta decifrar um país travado pelas questões sociais, quanto à parte ficcional, com uma protagonista que desmonta os comportamentos machistas e misóginos os que encontra pela frente. Um estudo potente e sério que Gomez conduz com um jogo de cintura e uma leveza muito bem-vindas. Uma peça além de seu tempo.
Disponível na Filmicca



#5) Kneecap: Música e Liberdade
(Kneecap, 2024), de Rich Peppiatt
Espécie de biografia (fantasiosa e transtornada) do grupo de rap que o batiza — e ficou famoso pelas letras polêmicas — Kneecap é um dos poucos filmes que sabem usar o humor ácido e a edição frenética a seu favor. Rich Peppiatt administra muito bem a anarquia aqui e o ritmo leve e caótico ajuda a tocar em temas mais sérios, como conflito familiar e condição social. A conversão do trio de músicos -- Móglaí Bap, Mo Chara e DJ Próvai -- em atores sai muito melhor do que o esperado. Sua naturalidade para a comédia faz com que os momentos mais controversos do texto fiquem diluídos nas piadas hilárias e no humor físico. Michael Fassbender, que interpreta o pai de um deles, está ótimo e Jessica Reynolds, um interesse amoroso, merece menção. Pra um filme tão fora do registro de uma biografia tradicional, os momentos-clipe poderiam ser enfadonhos, mas a turma aqui encontra literalmente uma melodia onde cabe tudo.
Disponível no Max
#6) Sol de Inverno
(Boku no Ohisama, 2024), de Hiroshi Okuyama
Do coming of age ao tabu LGBT+, o filme de Hiroshi Okuyama atravessa diversas questões ao contar a história de um menino que se apaixona por uma patinadora — e pela patinação em si. Livremente inspirado em memórias da infância do diretor e na letra da canção Boku no Ohisama, do duo Humbert Humbert, aborda com sutileza preconceitos encrustrados na sociedade japonesa ao mesmo tempo em que registra com sensibilidade a maneira como seus personagens se aproximam. A fotografia do próprio cineasta transporta as cenas de patins no gelo em balés iluminados.
Disponível para compra e aluguel na ClaroTV, Vivo, Microsoft, iTunes e Google Play
#7) Vincere
(2009), de Marco Bellocchio
Bellocchio é um dos poucos diretores que sabem trabalhar o grandioso. Na tentativa de refletir a ambição e a intensidade de Benito Mussolini, Vincere é maiúsculo em todos os sentidos, uma ópera furiosa que usa a música para alcançar os movimentos grandiosos do ditador (Filippo Timi, espetacular) desde a poesia brutal da meia hora inicial, que mistura encenação, texto e imagens de arquivo. Por outro lado, o diretor sabe também retirar dor e força de uma excelente Giovanna Mezzogiorno numa interpretação que testa os limites do amor e da sanidade.
Disponível no Reserva Imovision
» FESTIVAIS E MOSTRAS
Aqui cito alguns destaques de festivais, mostras e sessões especiais que estão em cartaz em algum lugar do país ou disponíveis online. Para a programação completa, acessem os links nos títulos de cada festival.



MOSTRA MESTRES DO CINEMA PAULISTA
Cinemateca Brasileira, SP, de 3 a 6 de julho
#8) Excitação
(1977), de Jean Garrett
Um dos maiores filmes de terror já feitos no país, Excitação é uma obra com imagens poderosas, cortesia do mestre Carlão Reichenbach que materializa um dos melhores roteiros de Jean Garrett (com Ody Fraga), um estudo visual sobre a condição da mulher na sociedade. Numa das cenas mais impressionantes, a personagem de Kate Hansen é atacada por eletrodomésticos. É uma obra que deve bastante ao giallo, mas tem muito sotaque brasileiro, tanto na maneira como lida com a sexualidade quanto na cena em intercala rock e candomblé com uma força literalmente sobrenatural.
Cinemateca Brasileira, sexta, 4 de julho, 18h
MOSTRA QUEM QUER QUEER?
Grupo Estação, Rio, até 2 de julho
#9) Infâmia
(The Children’s Hour, 1961), de William Wyler
William Wyler adaptou uma mesma peça de conteúdo gay duas vezes. Em 1936, por causa da censura, foi obrigado a transformar uma das duas personagens femininas de Infâmia num homem. Em 1961, logo depois de destroçar bilheterias e levar 11 Oscars com Ben-Hur, resolveu levar a peça pro cinema de novo. Duas professoras são acusadas por uma estudante vingativa de terem um relacionamento, o que gera um escândalo. A história é mentirosa, mas uma delas realmente é apaixonada pela outra. A homossexualidade da personagem de Shirley McLaine é bem mais clara, embora haja bastante timidez em tocar o assunto.
Estação NET Botafogo, quarta, 2 de julho, 16h25
Estação NET Botafogo, domingo, 6 de julho, 13h00
#10) Salomé
(1922), de Charles Bryant e Alla Nazimova
Salomé pode não ter personagens explicitamente gays, mas é queer de ponta a ponta. A lenda diz que o elenco foi todo escolhido dentro da comunidade e que todos os envolvidos na feitura do filme eram LGBT+, inclusive a estrela e diretora — sem crédito — Alla Nazimova, umas das maiores estrelas da época. Artista de vanguarda, sem pudores para se arriscar em projetos ousados que decretaram sua ruína financeira, ela entregou a seu então marido a missão de dirigir uma adaptação para o cinema da peça de Oscar Wilde com todos os abusos estéticos possíveis. O camp e a androginia se espalham pelos cenários e pelos movimentos dos personagens, que exalam sensualidade e desafiam o binarismo do cinema nos anos 1920.
Estação NET Botafogo, segunda, 1 de julho, 14h00
Estação NET Botafogo, sexta, 4de julho, 18h10
Por hoje é só, pessoal. Deixem, por favor, suas impressões e sugestões nos comentários.
Bom filme pra vocês.